domingo, 18 de março de 2007

Lembrem de mim
Como quem via um beija-flor
Uma solidão,
Uma tristeza.
Como quem via a flor
Um risco, de desespero,
Uma fragilidade, sozinha.
Que via o beijo dos dois
As núpcias e a proteção,
O protetor protegido,
A alegria guardada.

Lembrem de mim
No beija flor e na rosa
E mim beijando,
Em mim beijado.

sexta-feira, 16 de março de 2007

CONFISSÕES

Triste na minha alma,
Resisti, encarando a provação.
De buscar perdão.
Mas de quem?
De Deus, de Cristo?
Que são mitos em quem acredito
Mais agora com as crenças que considero.
Este é o mar, decifrável,
E o mar é real, e eu o considero mal.
Então me afasto do mar
E por toda parte onde olho e vejo terra,
Sigo caminhando e a terra vai se estendendo
Até o horizonte.
Um ano, vários anos e não vi o mar.
E me pergunto: O que aconteceu ao mar?


O mar estar ali, de volta,
De volta ao reservatório da memória.
O mar é um mito.
Nunca houve um mar.
Mas havia um mar!
Eu nasci à beira-mar.
Banhei-me nas águas do mar.
Deu-me alimento e deu-me paz
E seus fascínios,
Suas distâncias alimentaram meus sonhos.

segunda-feira, 12 de março de 2007

JUIZO


Dos homens ardilosos e tristonhos
Sou eu o que mais perdoa.
Me apena os olhos escanteados
Dói-me a ferradura batida a martelo.
E quando o mártir não sou eu, o algoz
Retiro os óculos e limpo a fronte
Para que vejam que não é pelo meu nome
Nem pela minha honra que vejo.
Vejo por quem choraminga num canto longe.
Aplicado nos mandamentos dos assentos achados,
Dos islãs, dos alcorões, da bíblia, das cartas de Maomé,
Dou como prêmio aos homens infratores,
Um aperto nas mãos de ver sangrar nos meus olhos,
A piedade deles, em cálido gesto,
E imputo a mim o rebaixamento no regresso.
Não me valho do posto de anjo sacrossanto,
Das vias que pisei, de pura lama,
Não, não abro o livro que escrevi na vinda,
Nem levo a risca os riscos que corri.
Mas um desafio, à minha alma pequena imputa,
O de ser bufo, o que faz matar de rir.
Quem vê escolhe entre mim e outros,
E de todos, até eu, sou escolhido.
Sou entre os anjos o que se perpetua na terra,
Um desatado, um homem em completude,
E a sentença que se anuncia é rude,
A ela deixo suportável, mansa em tudo.
Não matarei por cortas pêndulas.
Não esgarçarei por lâminas involuntárias,
Não permanecerei muito tempo em volta
Daquele que já foi, e até pode reincidir,
Nas maledicências, no desejo solitário,
Na liberdade que a mim foi concedida,
De fazer na vida, o que não na morte, onde
Poderei nem ver, e ser cético, calado e morto.

AMAR O NOME
Eu quero um amor
Que não tenha a forma
Nem a característica de amor.
Eu quero algo que me de trabalho,
Quero sofrer, cumprir o ritual das cruzes,
Para provar a esse amor que vai chegar,
Que amor é uma palavra,
Que identifica uma imagem,
Que se venera, que se põe flores,
Que por ela se sofre as dores,
Os vapores das febres mais fortes.
Que amor é como gente,
Que se insinua, em nomes diferentes,
Que cuja essência é bem pequena,
Que há de se misturar à água,
E diluir-se em lágrimas,
Para então jorrar perfume.
Chamo-te amor, costume,
Da gente já habituado,
A andar pra traz, A
cair pelas valas, sofredor,
De compor versos e dá-los errado,
Ofertando a um nome,
Não a uma graça,
Como não te apresentas.
Eu quero um amor,
Para chamá-lo dor,
Para pedi-lo, por favor,
Para mandá-lo buscar flores,
Para apelidá-lo de ardor.
Eu quero um amor,
Que não seja amor,
Seja o que se chama, amar.
PROVÁVEIS

Existe um sentido para o norte
Quando o sul também é uma possibilidade,
O que há encima que não germina embaixo
E o que tem por baixo que não tenha caído de cima.
Qual a direção mais sensata
Os lestes que dão os braços
Os oestes que nos acolhem aos bagaços.
O que de venturoso traz o mar
No seu ir e vir de tanto tempo
Que a gente sabe é o vento
Quem move as águas e as gentes.
E qual o sentido do vento
Lançar nos chão dos esguios
E por que na volta, não volta
A levantar o impossível.
Quando me dou a querer
Sempre se apontam ao meu rumo,
Todas as direções do mundo,
Todos os ventos, pororocas.
E que sentido tem querer,
Se as vertentes não se desfazem,
Se o sul é sempre um buraco
Nunca permutará a palavra,
Não se pode tirar um s
Em norte não se revelará,
E nem serão revelados os dias,
As horas, o tempo por lá e por lá.
Ai coração compassivo,
Pendes como um fiel,
Como um balado de igreja,
Agora te mostras o ensejo,
De um bom parquinho de festejo,
Mas quanto à direção, o vento,
Não respondes, ficas no peito,
Quieto, manso arquejando,
Como quem bebeu veneno.

domingo, 11 de março de 2007

ADMOESTA

Alguém que passava me olhou
E disseram-me seus olhos
De um fim que nos encobre mais que nunca perto
E entorna encontrando
Apenas com seus olhos
A entrada do caminho aonde vou
Friccionando em minhas mãos a frieza,
Das fragas e das marcas de que é feito.
Mostrou-me seus olhos
O único remédio
A construção de um Deus
Mais complacente, mais nítido
Feito só de matéria cognoscível
Completado de animal
No corpo de puro êxtase
E lavores de homem
E humanas liberdades,
Na fronte de graça e força feita.
Mandou-me seus olhos
Refizesse o homem,
Dos restos em o homem se distribuiu
A si mesmo acabando,
Em honra de seus deuses mais confusos.
Que eu me tornasse, por exemplo
Exaltações eternas
E eternas rebeldias
E um passo iconoclasta
E um intento suicida
E o fogo do que cria
E o pranto do que não.
E tudo refazendo à chama declina
Então Deus já completo
Saudasse o novo súdito
Com palavras sem sentido.
E me deu seus olhos
As certas diretrizes,
Do mundo que inevitável será fazer
Como trono do deus,
Como indumentária do homem.
Um mundo onde o mover-se
Seja um ato fortuito,
Um mundo onde a palavra
Seja adereço sem valor, mas sem preço
E infalível, inofensivo.
ESTAÇÃO

Ave branca, esta manhã,
Com as estrelas liquefeitas
Em outra luz de outra luz.
Uma saudade que vem
Da nascente das estações.
O trem da vida espreita,
De braços abertos e peito,
Em sacudidos gestos.
Assentos se movem,
Move-se a luz de outra luz,
Transporto-me à estrada
No seu começo.
E venho louco e não distingo
A beira, as cercas, os milharais.
Passam azuis,
E a esperança verde passa, por mim.
Como água serena na areia,
A solidão está aqui,
Comigo e ela, comigo.
Gasto os sapatos, um freio brusco,
Paro e sento sobre o trilho solto.
Ave cinza, esta tarde,
Já tarde demais, quase noite,
As estrelas se compactam,
E enchem o meu peito de saudade.
Saudade deste dia corredio,
Da esperança fugidia,
Com quem dividi todo o tempo de hoje.
Bancos rijos, nenhum sacolejo,
Ninguém anuncia, esbravejo.
Maldito dia que não trouxe tudo,
Trouxe-me o nada,
O nada, vazio,
Um trem de vagões batendo,
Uma viagem que eu fiz,
Na ida,
E era à volta a minha esperança.
Saíram das formas todas as estrelas,
Pepitas, na mesma forma de prometer,
Amanhã, líquido quente,
Uma luz da mesma luz inquietante,
Fica o meu coração na estação,
E eu vou sem ele, fugir.
Dessas visões de quem não vê,
Só sente, levanta, senta, sente.